Um novo caminho para o estudo da Pérsia Antiga

 

Pierre Fernandes*

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Resumo: Faz-se necessário, de tempos em tempos, renovar as perspectivas sobre a Antiguidade conforme as demandas históricas da contemporaneidade. Sendo assim, apresentamos uma breve reflexão sobre a possibilidade renovar as pesquisas sobre a antiga Pérsia.


Palavras-Chave: Pérsia, helenocentrismo, Aquemênidas.

 

No âmbito dos estudos em História Antiga no Brasil pouco se produziu sobre a história e a cultura iraniana do período Aquemênida. O tema esbarra em estigmas tradicionais da historiografia: muitos estudiosos se limitam a entender a Pérsia Aquemênida no contexto das chamadas Guerras Greco-Pérsicas na primeira metade do quinto século V a.C. Nesse caso, geralmente, as abordagens fazem uso convencional do arcabouço documental grego. Documentos textuais como Heródoto, Ésquilo, Xenofonte, Ctésias e Pausânias se repetem em trabalhos de história política, cultural e/ou militar perpetrando a visão grega sobre o inimigo bárbaro, o ignominioso, aquele “estranho” que abala o imaginário social e reflete características avessas no que tange a identidade grega. Nas relações de oposição entre gregos e persas, estes últimos vivem quase inevitavelmente às sombras da civilidade coletiva dos vencedores (FERNANDES, 2015: 151).

Imagem 1: Representação contemporânea sobre a batalha de Maratona. Disponível em: http://bankstowntafehsc.swsi.wikispaces.net/The+Persian+Wars

Sobre o uso da documentação helênica no exame das relações entre gregos e persas, o historiador Kostas Vlassopoulos nos informa que, atualmente, existem duas correntes que postulam as pesquisas sobre o tema. A primeira, referente ao caso mencionado e mais comum, examina como a literatura helênica promove polaridades pelo princípio da alteridade em relação a outras culturas. A segunda, e mais renovada recentemente, procura identificar elementos, motivações, metáforas e imagens, de autores e artistas gregos que adotaram ou adaptaram outras culturas não-helênicas do Oriente Próximo em suas regiões nativas (VLASSOPOULOS, 2012: 53). O desafio mais recorrente (a qual devemos estar dispostos a enfrentar) consiste em conciliar ambas as preocupações: como as interações entre gregos e persas no século V a.C., muito além da violência e da inimizade entre ambos, propiciou, no contexto histórico da Ática, a adoção de práticas e elementos culturais do “outro” (os persas) e como estas supostas adoções estão impressas na documentação helênica do período. A percepção de Vlassopoulos sobre as motivações helênicas em recepcionar e adotar alguns elementos estrangeiros reflete o atual espectro de conectividade cultural em pleno mundo globalizado. Paradigmas colocados pelo fenômeno da globalização, entre eles as intensas migrações de grupos populacionais que se espalham pelo planeta e a constituição de redes que ultrapassam as fronteiras territoriais, permitiu-nos lançar um olhar alternativo e mais meticuloso sobre fenômenos similares que podem ser conferidos na documentação da época e que viabilizaram contatos em variadas dimensões não atreladas exclusivamente ao contexto dos confrontos militares entre gregos e persas no início do século V a.C..

Ao considerarmos a observação de Vlassopoulos devemos atentar, no mesmo sentido, para a tendência que ronda os estudos sobre a Pérsia da dinastia Aquemênida. Diante da riqueza das novas evidências documentais recentemente exploradas por especialistas estrangeiros da Pérsia antiga, obras relativas ao período Aquemênida tem contado cada vez menos com o prisma do “helenocentrismo” e dos autores de povos que avizinharam os persas na Antiguidade. A ordem do dia, segundo Thomas Harrison, consiste na superação das visões pejorativas da documentação helênica clássica. Nesse caso, a tradicional perspectiva ateniense sobre a estirpe de reis e rainhas persas como déspotas orientais têm gerado resistência entre historiadores desse campo de estudo (HARRISON, 2010: 22). Estes estudiosos seguem a abordagem que evidencia a maleabilidade e a tolerância de segmentos sociais persas em seus contatos com o mundo helênico, sobretudo no circuito das interações culturais com Atenas e com atenienses.

Um estudo recente no que se refere à influência e adoção da cultura persa Aquemênida entre as sociedades antigas merece uma atenção especial. Em abril de 2014, o Netherlands Institute in Turkey (NIT), Instituto de Estudos Históricos e Arqueológicos sobre a região da Anatólia (atual, Turquia) na antiga Ásia Menor, capitaneou um colóquio internacional intitulado “Persianism in Antiquity”. Este evento foi o primeiro e exclusivo sobre o tema da influência persa nas sociedades antigas e abriu um canal de divulgação de trabalhos que demonstram algumas percepções acerca das representações da Pérsia na Antiguidade dos períodos Aquemênida e pós-Aquemênida. O evento foi organizado pelo Prof. Dr. Miguel John Versluys da Universidade de Leiden, em cooperação com o prof. Dr. Rolf Strootman da Universidade de Utrecht, ambos da Holanda. O evento contou com apresentações de diversos pesquisadores e, entre eles, o trabalho de Margaret C. Miller intitulado Quoting ‘Persia’ in Athens reafirma a abordagem na linha de pensamento de Vlassopoulos e Harrison. Miller possui várias publicações centradas nas mais diversas formas de contato e integração entre as culturas ateniense e persa e seus reflexos na arte e na cultura material em geral. O persianismo entrou no circuito acadêmico como nova proposta de estudo sobre a Pérsia antiga.

Imagem 2: Representação da procissão anual dos tributários do Grande Rei nas escadarias do palácio Apadana em Persépolis. Disponível em: http://ekurd.net/who-are-persian-part-ii-2017-04-17

Suas obras ratificam e comprovam os esforços acadêmicos na busca por um olhar alternativo acerca do encontro sociocultural entre gregos e persas. A contemporaneidade histórica da globalização propicia reflexões deste tipo: qual seria o lugar dos persas Aquemênidas na Antiguidade? Esta reflexão também serve para impactar os pesquisadores brasileiros.


Bibliografia


FERNANDES, Pierre R. Ésquilo e “Os Persas”: repensando a representação do bárbaro. In: NEARCO – Revista Eletrônica de Antiguidade. Ano VIII. Número I. 2015.

HARRISON, Thomas. Reinventing Achaemenid Persia. In: CURTIS, J. and SIMPSON, S-J. The World of Achaemenid Persia. London: I. B. Tauris, 2010.

VLASSOPOULOS, Kostas. The Barbarian Repertoire in the Greek Culture. In: Ariadne Revista Científica da Escola Filosófica. Vol. 18. 2011.

 

Pierre Romana Fernandes* - Lattes

Professor especialista de História Antiga e Medieval pelo CEHAM/NEA/UERJ

Mestrando em História na Universidade Federal Fluminense (UFF)