A deusa da feitiçaria Hécate e as práticas hipocráticas no Período Clássico entre os atenienses

Prof.ª Doutoranda Tricia Magalhães Carnevale*

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O imaginário social dos atenienses do período Clássico evidencia um esforço em desconstruir a cura das doenças através da religião. Através do conceito de imaginário social de Bronislaw Baczko identificamos o médico Hipócrates como um agente social (apaga as incertezas em situações de crise e graves conflitos; como a prática mágico-religiosa dos katádesmoi ou o questionamento da religião nas doenças humanas) atuando no contra imaginário (instrumento de educação para inculcar novos valores e novos modelos formadores) ao elaborar o tratado médico Da Doença Sagrada (século V a.C.) para ratificação das práticas médicas hipocráticas em objeção às práticas curativas religiosas dos sacerdotes do templo do deus da medicina, Asclépio.

Neste tratado médico, Hipócrates afirma que os identificadores da “doença sagrada” (epilepsia) foram os magos, os purificadores, impostores e charlatães os quais sem saber como agir classificaram a doença como divina, ao contrário do que o médico acredita: as causas de uma doença não são provocadas pelos deuses. O médico ainda revela uma associação entre terrores noturnos - ataques de fantasmas - e a deusa Hécate.

Esta deusa foi introduzida pelo poeta Hesíodo no século VII através da obra Teogonia. Nela a deusa Hécate, descendente da família de Titãs é cultuada e honrada por Zeus. Dispõe de poderes sobre o mar e a terra, concede força ao homem que lhe presta sacrifícios e às mulheres que lhes prestam honras a deusa protege os filhos. Zeus não a privou dos seus poderes provenientes dos seus antepassados, os Titãs. Assim Hesíodo nos apresenta a deusa que posteriormente seria conhecida como deusa da feitiçaria.

No período Clássico, um vaso em particular, O Retorno de Perséfone (imagem 1), aponta a ligação entre a deusa, o Mundo Subterrâneo e os deuses ctônicos (Perséfone e Hermes), a temática do vaso faz referência ao mito do rapto de Perséfone, filha de Deméter, por Hades, soberano do Mundo Subterrâneo. A transição do mundo de Hades para a superfície ao encontro de Deméter sucede em companhia dos deuses que iluminam os caminhos e habitam as encruzilhadas, a saber: Hécate e Hermes.

Hermes será companheiro de Hécate, ainda nesse período, em conjunto com outras divindades ctônicas como Cérbero, entre os praticantes da magia de fazer mal ao inimigo que utilizavam os katadesmoi, finas lâminas de chumbo com inscrições de sortilégios e desejos de vingança (imagem 2). Tais lâminas eram enterradas em cemitérios, em poços d’água ou mesmo em fendas nas paredes da casa ou oficina da vítima (ou vítimas) para assim atingi-la e concretizar o desejo de fazer mal, de levar à morte o inimigo. A temática dessas lâminas variava de amorosas à litigiosas.

Além das lâminas, a deusa se viu associada à pharmakon (ervas) através de sua sacerdotisa, Medeia, na obra homônima do poeta Eurípides. O saber mágico das ervas distinguiu as feiticeiras dos médicos na Atenas Clássica. As feiticeiras utilizavam as ervas para fazer mal ao inimigo, para levar à morte, ao contrário dos médicos que as utilizavam para salvar vidas.

De Hesíodo (VII a.C.) à Hipócrates (V a.C.) os atributos da deusa Hécate se transfiguraram, ela não foi esquecida ou excluída, foi realocada para um grupo que através das práticas mágico-religiosas buscavam realizar seus desejos. Desta forma Hécate tornou-se a deusa da feitiçaria.

 

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vaso

Imagem 1

lamina

Imagem 2

Bibliografia

ALFÖLDY, G. História social de Roma. Lisboa: Editorial Presença, 1989.

JOLY, F. D. A escravidão na Roma Antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005.

PARKIN, T. G.; POMEROY, A. J. Roman Social History: a sourcebook. London: Routledge, 2007.

    

 

perfil

 

 

 

 

 

Tricia Magalhães Carnevale* - Lattes

Doutoranda em História pela UERJ

Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA/UERJ)

Professora de História na Rede Pública (PMNI e SEEDUC-RJ)